Prefácio

O braço dele pousava ainda no meu ombro. Ao longe soava uma pequena trovoada, afastando-se, cada vez mais distante. Tinha sido assim toda a noite: rimbombavam trovões por entre os prédios cinzentos e esguios que contornavam a minha casa. Ele deixara-se ficar ali comigo, assim em silêncio. Partilhava comigo a visão escura e forte que, ao mesmo tempo que me assustava, me hipnotizava, impedindo-me de me afastar da janela.
O sala permanecia em silêncio, fria, iluminada apenas por uns pequenos clarões que se assenhoravam descaradamente e sem permissão, dum espaço que não era deles. Enquanto a tempestade se ia afastando e ele continuava absorto , no seu posto de observação, tornei o meu pescoço para ele. Era alto e belo o meu avô. O cabelo grisalho ondulava-lhe a cara, suavizando-lhe a expressão de um rosto já envelhecido. Ao canto da boca pendia o cachimbo, com o qual me parecia brincar desde sempre, entre o farto bigode. As roupas matizadas de suaves acastanhados, o colarinho amarelado a espreitar impecavelmente engomado.
Devolveu-me o olhar. Sorriu-me travesso. Quando o meu avô sorria assim parecia que nunca tinha envelhecido. Era exactamente o mesmo sorriso que o Óscar se socorria de cada vez que ia à padaria da Dona Rosário e puxava das mãos ágeis para furtar um papo seco acabadinho de colocar na cesta, a palpitar do quentinho do calor da cozedura.
Apontou-me com o olhar, rodando novamente a cabeça para a janela. E lá estava ele. O Arco-íris. Vagueava pelo meio das nuvens, lá ao longe. Fresco e e afoito, por entre as resistentes gotas de chuva e o sol brincalhão que nelas tropeçava. O meu avô cachimbava calmamente, invadindo-se o ar de um odor almiscarado, intenso e aromático que se afundava pelas minhas pequenas narinas. Eu fechei os olhos e por momentos concentrei-me na atmosfera do momento. Já passaram muitos anos desde esse dia, mas posso jurar que ainda oiço o seu suspiro saudoso por entre o aroma rico temperado de baunilha, noz e canela e. a tosse teimosa . As palavras foram as últimas que lhe ouvi: Um dia também alguém casará o céu com a terra, e então o meu caminho não terá sido em vão.

9 pinceladas coloridas:

Nuno disse...

Este texto está lindo!!! Espero por mais. :)

Beijitos,
Nuno.

susana disse...

Olá Nuno foste o primeiro a visitar o meu blogconto:)Obrigada!!!! Mesmo!
Beijinhos
Su

Nuno disse...

Sinto-me lisonjeado com isso, Susana! Eu espero é que continues. Tens jeito! ;)

Beijinhos,
Nuno.

susana disse...

Obrigada Nuno. Continuarei sim. Mis novidades por aqui até ao final da semana que vem.
Beijinhos para ti e volta sempre
Su

Nuno disse...

Voltarei sim. Podes contar com as minhas visitas assíduas. Este blogue já faz parte da minha lista de Favoritos. ;)

Beijitos,
Nuno.

Anónimo disse...

Gostei deste "quadro" que pintaste com palavras.
Consigo ver-te, ao teu avô e ao arco-íris.

Nilson Barcelli disse...

Gostei da tua narrativa. Escreves bem e és criativa.
Só por estra amostra já dá para ver isso...
Obrigado pela tua visita, volta sempre.
Bom Natal, beijinhos.

paulotpires disse...

Olá...
uma vez mais obrigado pela visita... gostei tb muito deste teu blog e voltarei para acompanhar a história...
beijos
PTP

Isabel disse...

Esta pitada da história deixou-me em suspenso para a continuação. Fico a aguardar pelo desenvolvimento.
Parabéns pela coragem; pois, este, o escrever uma história, é um projecto que já alimento há um tempo.
Felicidades para a continuação.
Bom Ano.

Bjnh