Capítulo 1

Estava deitado. Mantinha-me de olhos fechados, plenamente consciente do espaço que me circundava. Os punhos estavam fechados junto ao corpo. Estava para ali assim. Casmurro no meu estado hirto. Se abrisse os olhos a vida teria que continuar fora demim. Neste momento essa mesma vida só respirava de quando a quando, de cada vez que o pensamento " não podes pensar em nada" assaltava a minha mente propositadamente vazia. Estava exausto. Farto deste exercicio constante que reflectia a minha tentativa inócua de afastar a realidade. Mas era o melhor que tinha agora.
Apertei ainda mais os olhos. Eu não queria ver. Não queria sentir. Ou talvez quisesse e tivesse medo. Apurei a orelha. Do lado de lá da porta passos silenciosos. A porta abriu-se. Senti uma presença frágil perto demim abrançando-me, com uma força entrecortada por pequenos mas fundos soluços. Era a minha mãe. Do nada vi-me puxado para cima, com os braços dela sobre mim, a cara escondida no meu ombro. Olhou para mim. Bem para o fundo demim e disse: " Ele partiu".
Era imensamente injusto. Nós ainda tinhamos tantas aventuras juntos, tantas paisagens que ele prometera mostrar-me, tantas lições que prometera partilhar comigo, caminhos, sonhos. Partiu sozinho para a derradeira viagem, sem mim. Era injusto e totalmente despropositado, pensava eu do alto dos meus 8 anos.
Segundos, minutos, talvez horas depois ainda estava ali no quarto sozinho. Olhava agora pela janela. Pus os pés no chão. Encaixei-os nos chinelos de bombazine castanhos e arrastei-me até porta. Abri-a. A casa estava silenciosa. Fui até ao quarto dele. Confirmar o principio da inexistência. Ele não estava lá. A cama estava feita, os estores semicerrados, e no ar lá estava o tal aroma que sempre o acompanhava. Na cabeceira descansava um livro de capa gasta e por cima dele repousava o cachimbo. Passei a mão pela cama. Alonguei-a e sentei-me. Olhei à volta.
Ele ainda lá estava. Perdurava em cada uma das coisas que lhe tinham pertencido. Em cada fotografia, em cada pedaço de madeira envelhecido, em cada estátua ou em cada molho de cartas presas com atilho verde escuro ou em cada livro desalinhado na estante. Acabei por ali adormecer. Deitado de lado, sobre a cama. Ao longe senti pegarem-me ao colo, com cuidado. Fecharam a porta atrás demim e eu sorri, num sorriso para os meus adentros. O meu avô estaria sempre ali. Naquilo que nos tinha deixado. Os meus olhos pesavam, cansados e eu sentia-me cada vez mais profundo em mim. Deixei-me ir e adormeci.

3 pinceladas coloridas:

Nuno disse...

Que bonito!

OnlyMe disse...

E começaste muito bem. Gostei muito do inicio da tua história. Fico à espera do seguimento. Agora que nos abriste o apite, tens de continuar ;). É obrigatório!!
Jinhos :)

susana disse...

Obrigada Onlyme:) continuarei sim! Fico À espera que por aqui passes para deixares as tuas impressões:) um beijinho para ti!

Obrigada Nuno!:)