Capitulo 1 parte 2

Com cuidado e firmeza, uma mão segurava a minha. Era suave e rugosa aquela mão. Aquecia a mão que dela pendia, a minha. Não me recordo de olhar para o lado, só olhava para o caminho que me era familiar. As paredes brancas com alguns riscos de lápis de cera, os posters pendurados na parede, as prateleiras onde desfilavam cuidadosamente alinhados as miniaturas dos carros antigos que pertenceram - em tempos idos - ao Papá. E sorri ao lembrar-me de como ele, de quando a quando, se dirigia ao meu quarto com os mais eloquentes pretextos, só para se certificar que eu ainda não tinha danificado - com a ingenuidade bruta das minhas brincadeiras - o seu Commodore Coupé, o Porshe spyder, a Ford Woody, o carocha ou o cadillac eldorado. Alinhava-os sempre cuidadosamente, fazendo-lhes revista discretamente, como quem limpa o pó, dizia uma ou duas palavras inofensivas e lá seguia a sua vida.
Seguimos caminho e lá fomos até à porta de casa. Para onde me levaria aquela mão? Queres fazer uma viagem? - perguntou-me. Era o que eu mais queria. Evadir-me demim e da realidade, conhecer novos sítios e pessoas diferentes, experimentar novos sabores, sentir novas texturas, inalar novos odores. A viagem que vais fazer é ao centro de ti. Ao centro demim? Como podemos nós viajar ao centro de nós mesmos? Como podemos partir de nós com destino a nós? É como não sair do lugar e rodar em torno de nós mesmos, num ponto de partida e chegada invariávelmente coincidentes. Não há coincidências. A maior viagem que podemos fazer é a viagem ao interior de nós mesmos. Essa é a viagem mais maravilhosa e enriquecedora que alguma vez farás na vida. Não te apoquentes, que muito há para ser visto e conhecido. É só tu quereres crescer. Os caminhos serás tu a escolhê-los e a vivê-los. Escolhe livremente e vive. Aproveita tudo o que respirares.
Passou-me então a mochila para a mão. Era de pele. Já envelhecida. Muitas viagens já deveria ter feito. Tinha dois bolsos laterais, e um bolso grande à frente. Fechava com uma aba larga e um fecho de metal já meio enferrujado. Peguei-lhe e estava vazia. Para que quereria eu uma mochila vazia? Sem perguntas coloquei-a às costas e a mão largou-me e passou-me um cachimbo. Segurei-o com as duas mãos. Era o cachimbo do meu avô. O meu tesouro. Olhei então em frente e lá estava ele junto à porta. Era o meu avô, sempre ali tinha estado. Apontou-me com um sorriso a porta e parecia tão feliz com o caminho que me apontava que eu caminhei para ele sem receio, num compasso calmo e ritmado. A porta foi eu quem a escancarou e do lado de lá vinha tanta luz que fui como que obrigado a fechar os olhos. Pousavam atrás demim duas mãos nos ombros. Estarei sempre no teu coração, lembra-te que as tuas asas servem para voares.
E foi assim que parti, para a maior aventura da minha vida. Sozinho, sem mapa, sem bússola, sem guia, para iluminar caminho. Teria que me bastar a mim mesmo, sondar eu os caminhos que me levariam ao destino indefinido mas necessário.
A porta fechou-se atrás demim, não sem antes eu ter tempo para guardar na memória o mesmo sorriso que me confortou tantas vezes, preso no colarinho branco impecavelmente engomado do meu avô. Chegara a hora de partir acompanhado demim mesmo.

8 pinceladas coloridas:

Derfel disse...

Foi com uma agradável surpresa que me achei lendo este blog!

Este post então, vem dizer-me o mesmo que tenho ouvido cá dentro (e fora também) mais vezes do qualquer outra coisa, ultimamente...

Agradeço-te por isso.

Continua =)

Jinhos de LUZ e Paz

Knight_Derfel
"SOMOS LUZ dentro de nós"

Nuno disse...

Uma viagem ao centro de nós mesmos pode ser do tamanho que nós quisermos. Lembras-te disto: http://susanarodrigues.blogspot.com/2008/12/de-que-tamanho-o-teu-mundo.html? :)

Estou a gostar imenso. Não páres, por favor.

Beijinhos,
Nuno.

Desambientado disse...

Nostálgio, muito bonito.

Votos de um feliz 2009, Ano Internacional da Astronomia. Que os astros se conjuguem para lhe trazer tudo de bom.

Não se perca a felicidade,
Ou os anseios de amizade,
No Novo Ano ansiados,
Mas sempre retardados,
Pela guerra que se faz,
Sob este manto de estrelas,
Sem se perceber que há nelas,
Um desejo de cheiro a paz.

Félix Rodrigues

Otário Tevez disse...

ó rapariga.. faz a gestão dos blogs a apresentar no perfil.... às tantas não sei em qual deles entrar! ;)

Coisas de Mulher disse...

Blog lindíssimo!
E a história promete :))
Susana, queria uma agenda com os três motivos juntos? Não tenho nenhum tecido assim...
Se quiser contacte-me para o meu mail por favor:
helena.coisasdemulher@gmail.com
Beijinhos!
Helena :D

Anónimo disse...

Suzana, que blog é esse?? Lindo demais! Quem faz seu tempalte? Tô precisando de algo assim no meu mundo... hehehe

Abraços

paulotpires disse...

e a história continua a crescer... e bem...

António Valério,sj disse...

Olá Susana! Os seus blogs deixaram-me muito curioso! Vou visitar com atenção e interesse e sobretudo esta ideia de ir escrevendo um conto... e com um título que me interpela muito, por vários motivos... Vou ler e depois faço feedback. Obrigado pela visita!